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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Duas mulheres esquentam o frio londrino à base de sexo e talento

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Obra de Sarah Maple
Repare no broche de Sarah Maple
DUAS MULHERES estão esquentando Londres nos últimos dias, em que é noite antes das 5 e a temperatura é semi-siberiana. São jovens, sexualmente petulantes, artisticamente brilhantes cada qual a seu modo, uma loira, outra morena, e ambas donas de uma audácia que beira a irresponsabilidade. A loira é Brooke Magnanti, 34 anos, uma cientista que para pagar seu doutorado fez programas de 300 dólares a hora e, sem revelar a identidade até a semana passada, narrou literariamente suas aventuras eróticas num blogue premiado sob o codinome de Belle de Jour. A morena é Sarah Maple, 24 anos, uma artista de origem muçulmana que desenhou um auto-retrato com uma burca preta na qual colocou um broche em que está dito: “Adoro Orgasmos.” Recentemente, uma escritora de raízes muçulmanas, Seyran Ates, lançou um livro no qual afirmou que o Islã está precisando de uma revolução sexual. Curiosamente, o quadro que Ates descreve — hímen valorizado, homens que procuram prostitutas para preservar as noivas, mulheres que topam tudo exceto deixar de ser tecnicamente virgens etc — é absurdamente parecido com o vivido no Ocidente dos anos 60, antes da pílula.
Bem, se há muçulmana que dispensa proclamações de liberação erótica é Sarah Maple. Sua obra é marcadamente sexual, e o bom humor de quase menina evita que ela atravesse a rua e chegue ao terreno da pornografia. A comunidade muçulmana mais conservadora detesta Sarah. A galeria onde seus quadros estão expostos, em Londres, é alvo frequente de ameaças, ovos, pedras e demais itens do repertório da intimidação. Sarah tem bom traço, e muita imaginação. Seria uma boa comediante se optasse pelo palco. Dias atrás, ela rompeu uma tradição de 40 anos de mulher de peito de fora na página 3 do tablóide The Sun. Do jeito dela. Tirou uma foto em que aparecia com falsos seios à mostra, fez um punhado de cópias e, com a ajuda de gente amiga, colocou-as sorrateiramente, fora dos olhares dos jornaleiros, em cima da boazuda da página 3 do Sun em algumas pilhas de exemplares. Tudo filmado por uma câmara, da qual resultou um vídeo divertido de uns poucos minutos.
Sarah pertence a uma geração de artistas multimídias, moldados na Era Digital. Vídeos, para essa geração, podem ser tão importantes quanto um quadro inspirado. A repressão sexual que vigora nos países islâmicos, traduzida nas burcas que o Talibã ultraortodoxo devolveu à moda entre as mulheres islâmicas, é o principal tema da obra de Sarah Maple. A mim particularmente chama a atenção a resposta que ela encontrou para a caretice agressiva dos muçulmanos ortodoxos, um grito libertário à base da risada, da alegria. Sarah parece dizer: “Ei, vamos viver a vida porque ela é curta é precária, meus amigos.” A mídia a tem procurado. Nos finais de semana, o tradicional Financial Times publica um artigo em torno de um almoço com personalidades de variadas áreas. Sarah já fez este almoço, e o texto será publicado em janeiro.
PHD em ciência e sexo (Photograph: SWNS.COM no The Guardian)
PHD em ciência e sexo (Photograph: SWNS.COM no The Guardian)
Sarah se mostra obsessivamente, e nisso é o contrário da cientista Brooke Magnanti, uma mestra na arte de se esconder. Desde 2003, quando seu blogue sob nome falso começou a ser publicado com imediato sucesso, a mídia inglesa tentava descobrir quem era Belle de Jour, um nome tirado de um filme clássico do espanhol Buñuel em que Catherine Deneuve mata o tédio da vida de dona de casa indo à tarde, com sua beleza alva de pricesa, a um bordel. Brooke foi “trabalhadora do sexo”, como ela diz, por 14 meses, entre 2003 e 2004. Conto essa história na edição da Época que está nas bancas. Um “detetive literário” chegou a proclamar, depois de submeter a prosa da blogueira a um programa de computador que encontra afinidades em textos, que ela era Sarah Champion, uma escritora britânica. Hahaha. Muita gente desconfiou também se tratar de um homem, algum jornalista brincando com os leitores. Hahaha. Certo é que a qualidade literária do blogue da cientista despertou admiração, raiva, inveja e perplexidade.
As aventuras de Brooke viraram uma série de tevê de sucesso e um livro pelo qual ela recebeu um adiantamento de seis dígitos. Ela decidiu revelar quem era, alegadamente, porque estava ficando “paranóica”, sob o terror constante de ser desmascarada. Um ex-namorado linguarudo estaria ameaçando dizer quem ela era, ou, numa outra hipótese, chantageando-a. Se ela reagiu à chantagem dizendo a verdade antes que o chantagista, repetiu de certa forma a estratégia de David Letterman, o apresentador americano que diante de milhões de espectadores confessou ter prevaricado, como diria mamãe, com várias funcionárias de seu programa.
Brooke saiu da rua para a academia, e a universidade para a qual ela trabalha, em Bristol, a duas horas de Londres, já correu em seu apoio. Sua vida pregressa nada tem a ver com a vida atual, afirmou o porta-voz da universidade. É uma atitude mais inteligente e civilizada que a da Uniban, no caso da minissaia rosa, e tomada em circunstâncias bem mais complicadas. Os críticos acusam Brooke de haver glamurizado a prostituição, e sua resposta é perfeita. Ela não foi a primeira, e nem será a última. Como escreveu alguém da BBC, enquanto houver homem romântico, haverá mulher prática disposta a extrair dinheiro disso. Prostituição não é moralmente defensável, mas é muito diferente, para ficar apenas num caso, das mulheres maravilhosas e duras que correm atrás de jogadores de futebol ricos, as Marias Chuteiras? Por que crucificar a cientista? Um efeito colateral positivo de sua história é que se começa a discutir, no Reino Unido, se está certo o custo de um PHD como o que buscou e conquistou Belle de Jour ser tão alto.
Belle_de_jour_poster[1]
Tenho para mim que a vida acadêmica tem os dias contados para a Doutora Brooke. Como ela vai apresentar os resultados de alguma pesquisa numa reunião sem que todos se lembrem de Belle de Jour? Que roupas usar? Como não ser sexy? Muitas perguntas. Mas não creio que sair da ciência vá ser um grande drama para ela. É jovem, escreve bem, tem vivacidade, bom humor. Em breve provavelmente será jurada de programas de auditório e, se quiser, há um rico mercado de palestras que ela poderá explorar com algum tema do tipo: “Como a estratégia de sucesso de minha vida de garota de programa pode ser aplicada na vida executiva.” Uma palestra de uma hora de alguma celebridade custa várias horas de call girls de 300 libras como Brooke.
É uma mulher talentosa, versátil, bonita, tatuada no braço e na praça. Que sabe rir das coisas, e surpreende ao ponto de ter escolhido para dar o furo da identidade quem tinha batido mais pesado nela na mídia, uma pessoa do Sunday Times. Sabe tratar temas cabeludos com suavidade que lhes dá ar cômico. No primeiro encontro que teve com a mulher da agência para a qual trabalharia como garota de programa, ouviu uma pergunta cifrada. Topava o Nível A? Hã? Alguma coisa relativa à escola, uma vez que Nível A é uma expressão incorporada ao jargão do ensino britânico?  Não exatamente. Nível A, soube ela, é sexo anal no dicionário londrino de prostituição. Brooke, de uma beleza delicada e um humor mordaz, trouxe calor ao frio desta época em Londres, a exemplo da morena que veste busca e diz que adora orgasmo, e que do seu jeito maroto rompeu uma tradição de 40 anos do Sun, Sarah Maple. O inverno londrino tem duas musas interessantíssimas, e a cidade está mais bonita e divertida com elas.

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