Ninguém é a favor, mas muitos fazem. Há regras?
Ivan Martins
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA
É editor-executivo de ÉPOCA
Nessa época eu não conhecia o ditado que condena esse tipo de comportamento – “Onde se ganha o pão não se come a carne” – mas, ainda que conhecesse, não teria agido diferente. Era óbvio que adolescentes que passavam seis horas por dia juntos estavam interessados uns nos outros. Era quase uma imposição hormonal, mas havia outro elemento: para quase todos, aquela era a primeira vivência fora da escola ou da família. Não havia pais ou professores ao redor. A autoridade dos chefes do trabalho era limitada e não dizia respeito ao nosso comportamento. Nos sentíamos adultos, emancipados pelo holerite, e queríamos agir como adultos. Nada mais natural do que namorar.
Hoje, décadas depois dessa história de crianças, a ética que rege o comportamento sexual no trabalho mudou. Tenta-se proteger as pessoas do assédio das chefias e procura-se evitar que indivíduos usem o corpo como instrumento de ascensão profissional. Aconteceu com o sexo, em menor escala, o que aconteceu com o álcool. Antes, tomar um uísque no almoço de negócios era perfeitamente aceitável. Agora ninguém faz isso. Como em outras áreas, seguimos com atraso e adaptações tropicais o exemplo anglo-saxão. Nos Estados Unidos, um executivo cauteloso não entra no elevador se nele houver uma moça sozinha. Sabe-se lá o que ela pode alegar.
Nenhuma mudança, porém, conseguiu evitar que no Brasil as pessoas continuem a se envolver no trabalho, sexual e emocionalmente. Nunca vi uma estatística sobre isso, mas aposto que boa parte dos brasileiros namora e se casa na mesma profissão ou na mesma empresa. É perfeitamente compreensível que seja assim. Adultos passam cada vez mais horas no trabalho, veem-se diariamente, desenvolvem intimidade e, muitas vezes, carinho. Devido aos mecanismos da libido humana, essa proximidade alimenta atração. Se não houver inibidores poderosos, o impulso pode terminar em sexo, namoro e até casamento.
Ontem, na hora do almoço, um dos colegas da redação me contou que conhece dois sujeitos que deram em cima da própria chefe. Um deles confundiu ousadia com inconveniência e terminou demitido. Criou um mal-estar incontornável com a sua superior hierárquica. O outro está casado com a ex-chefe até hoje. Fez um movimento feliz. Qual é a moral dessas histórias combinadas? Não sei.
O que eu sei é que há sabedoria no jeito brasileiro de lidar com esse assunto. Os departamentos de recursos humanos parecem mais vigilantes do que costumavam ser na tentativa de impedir abusos de poder e favorecimentos indevidos. Mas não tentam legislar sobre a libido dos seus funcionários com proibições artificiais. Assumem, imagino, que pessoas adultas têm o direito de decidir com quem desejam se deitar. Se alguém agir de forma que ofenda ou constranja, então é hora de interferir.
Postas de lado as questões de ética e de etiqueta corporativa, a dúvida que se coloca diariamente diante de quem trabalha é mais simples: sair ou namorar com colegas, subordinados ou chefes seria uma boa ideia? Relações que nascem em ambientes de trabalho melhoram ou pioram a vida de quem participa delas? Deve-se ou não aceitar aquele convite ou dizer a palavra que pode comprometer? Vale o risco?
Essas perguntas são difíceis, mas não deveriam ser evitadas.
Nos muitos anos desde que eu trabalho, já vi dezenas de casais se formarem e se desfazerem nos escritórios e nas redações. Testemunhei paixonites que se transformarem em namoros e depois em casamentos que duram anos. Conheci gente que entrou nessa e saiu ilesa e feliz. Mas também presenciei coisas ruins. Adultos brigando e se desrespeitando na frente dos outros. Adultérios públicos que constrangiam as pessoas ao redor. Gente invejosa que levou a paixão dos outros ao departamento de recursos humanos. Há de tudo nesse mundo. Minha estatística pessoal, porém, é clara: nunca vi ninguém se ferrar profissionalmente por causa disso.
Mesmo assim, se alguém me perguntasse como proceder, eu diria “evite”. Transar com alguém que se deseja tão de perto deve ser bom, mas há um preço há pagar por isso. No dia seguinte a pessoa está lá, a menos de 10 metros de distância, e a rotina que era simples pode tornar-se um pântano. É comum que mesmo num namoro bem sucedido alguém queira mudar de emprego. Logo, se você gosta do seu trabalho, talvez seja o caso de evitar problemas.
Freud, que entendia os impulsos humanos, recomenda a sublimação: sufoque conscientemente o seu desejo e ele vai se transformar em outro tipo de energia. Em criatividade, em arte, em trabalho. É provavelmente um bom conselho nesses casos.
Dito isso, deve haver situações incontornáveis. As pessoas sempre têm escolhas, mas algumas coisas podem ser difíceis de evitar. Se depois de duas ou três conversas intermináveis a moça da mesa ao lado continuar parecendo a mulher da sua vida, talvez seja. Então é o caso de correr para o abraço. Mas passe repetidamente pelo estágio da conversa. Ele não compromete e funciona como filtro.
No geral, tente seguir orientações que podem ser úteis:
1. É melhor transar com alguém na mesma posição que você do que envolver-se com chefes ou subordinados. O potencial de confusão corporativa é menor entre iguais.
2. Evite as pessoas casadas. Se você mesmo for casada ou casado, evite trair no trabalho. As pessoas fatalmente irão perceber e comentar.
3. Escolha o temperamento e o caráter da pessoa com quem você vai dividir o corpo. Fofoqueiros, barraqueiras, ciumentos ou galinhas devem ser postos para fora da fila.
4. Se você beber na festa da firma e ceder à tentação com quem não deveria, no dia seguinte finja que não se lembra – e enterre o assunto.
5. Seja discreto, pelo amor de deus. Quanto mais você mesmo falar do assunto, mais as pessoas se sentirão à vontade para falar. Se você proteger sua privacidade, os demais tenderão a respeitá-la.
Era isso. Agora me diga a sua opinião ou conte a sua experiência.



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