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domingo, 1 de agosto de 2010

As cores da mobilização

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Como um projeto de pintura de casas na periferia de São Paulo, criado pelo arquiteto Marcelo Rosenbaum, se transformou em exemplo para que moradores cuidem de sua comunidade
RODRIGO TURRER
Fotos: Rogério Cassimiro/ÉPOCA e reprodução
MENOS CINZA
Marcelo Rosenbaum no início da pintura das casas, em São Paulo. Á direita, a montagem mostra o colorido em torno do campo de futebol. A intervenção vai além de embelezar

  Reprodução
Um campo de futebol ocupa o centro do Parque Santo Antônio, bairro encravado no Capão Redondo, uma das áreas mais violentas da Zona Sul de São Paulo. Há 30 anos, o campinho de terra batida uniu os moradores de seu entorno. Foi quando a prefeitura chegou com escavadeiras para destruir o que era a única opção de lazer num raio de quase 10 quilômetros. Os vizinhos protestaram e conseguiram manter o campo ali. Três décadas depois, aquele espaço simbólico se tornou o cenário de mais uma ação importante para a comunidade. Lá, o arquiteto Marcelo Rosenbaum, de 42 anos, lançou uma ideia que, além de embelezar aquele pedaço marrom e cinza da cidade, pretende inspirar as pessoas a cuidar melhor do lugar onde vivem.
Foram seis meses organizando o projeto A Gente Transforma, concluído na semana passada. Em cinco dias, moradores e voluntários pintaram as 63 casas ao redor do campinho, construíram um parque com brinquedos para crianças, uma arquibancada para os jogos e uma churrasqueira de uso coletivo. Também inauguraram a pedra fundamental de uma biblioteca comunitária. Prevista para ficar pronta em dois meses, ela terá 1.000 livros e será equipada com computadores e acesso à internet.
Mais que dar um trato no visual e maquiar as casas com tinta, Rosenbaum quer mobilizar os moradores. Aquele pedaço de São Paulo já foi conhecido como Triângulo da Morte, por causa dos altos índices de violência. “Queríamos despertar nas pessoas a consciência de que elas são as responsáveis pelas mudanças que querem ver”, diz Rosenbaum. A ideia de intervir no bairro surgiu depois de uma visita do arquiteto à Casa do Zezinho, instituição de amparo a jovens em situação de risco e vencedora do Projeto Generosidade, da Editora Globo, em 2009. O lampejo veio na véspera do Natal passado, quando lembrou de um projeto que coordenara: a pintura dos abrigos para vítimas das chuvas em Blumenau, Santa Catarina.
O projeto para o Parque Santo Antônio contou com a colaboração de amigos do arquiteto e foi dividido em três etapas: mobilizar, capacitar e transformar. Um grupo de empresas parceiras (entre elas Suvinil, Vivo e Nike) entrou com materiais e serviços. Em fevereiro, 30 estudantes de cinco universidades do Brasil e uma da Inglaterra foram selecionados para participar. Em março, ocorreu o primeiro encontro para a apresentação do projeto aos moradores. “Houve gritos exaltados de senhoras dizendo que não aceitariam que encostassem em suas casas”, diz Rosenbaum. Pelos dois meses seguintes, os estudantes ligados ao projeto se reuniram com representantes da comunidade: “Era um trabalho conjunto, uma troca”.
Os moradores contaram histórias sobre o lugar, quais seus desafios e o que sonhavam em ver transformado. “A cada encontro vinha mais gente, e a participação das pessoas aumentava”, diz Rosenbaum. Com as reuniões, veio o entendimento. Os representantes dos times de futebol cederam o espaço do vestiário para a construção da biblioteca. Ganharam uma arquibancada em troca. O projeto capacitou 100 moradores como pintores, diplomados, que se juntaram a 400 voluntários para finalizar o trabalho em um fim de semana.
Além das melhorias físicas e estéticas, a mobilização permitiu a formação de uma associação de moradores para discutir problemas como o Córrego do Freitas. O riacho que corta o Parque Santo Antônio é um esgoto a céu aberto. Em dias de chuva, ele alaga, invade o campo e inunda casas vizinhas. Em dias de sol, vira uma perigosa diversão para as crianças, que “navegam” em suas águas em pedaços de tábua. “Descobrimos que podemos nos unir e tomar providências para mudar o bairro e exigir melhorias”, diz Amarildo Alves Araújo, um dos coordenadores.
Marcelo Rosenbaum pretende ver essa mudança em outros lugares. Quer exportar seu projeto para onde conseguir. A próxima intervenção deverá ser feita em uma favela no Rio de Janeiro. “O (educador) Paulo Freire dizia que a educação não muda o mundo; a educação muda as pessoas, e as pessoas mudam o mundo”, afirma Rosenbaum. “Existe um Parque Santo Antônio em cada esquina deste país, espaços cheios de carência, e por isso mesmo cheios de potencial para mudança.”

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