A morte de 20 crianças no massacre de Newtown pode ser o estopim para a aprovação de leis que restrinjam a venda de armas de fogo nos EUA
Para Adam Lanza, foi mais simples ainda. O jovem de 20 anos, com problemas neurológicos, nem precisou sair de sua casa, em Newtown, no Estado de Connecticut. Sua mãe, Nancy, uma adoradora de armas, deixava seu arsenal ao alcance do filho. No dia 14, Lanza tomou duas pistolas e um fuzil pertencentes à mãe e fez dela sua primeira vítima: disparou quatro vezes na cabeça de Nancy. Depois, foi para a escola infantil Sandy Hook, onde matou 20 crianças, de 6 anos e 7 anos de idade, e seis adultos. Em seguida, se suicidou. O crime foi tão chocante que rapidamente chegou à política. O presidente Barack Obama prometeu “ações significativas” para que tragédias como essa não se repitam. Determinou ao vice, Joe Biden, a criação de uma comissão, que apresentará propostas para controlar “a epidemia de violência causada por armas” até o fim de janeiro. “Desta vez, as palavras têm de levar a ações”, afirmou Obama.
Nenhuma população civil do mundo é mais armada que a americana. Até 2010, havia 270 milhões de armas de fogo no país, ou 88,8 para cada 100 habitantes – o Brasil tem oito para cada 100 habitantes. “A justificativa está na história do país”, afirma Akhil Reed Amar, professor de Direito Constitucional da Universidade Yale. “As armas fazem parte de nossa cultura, antes mesmo de os EUA existirem.” Os primeiros colonos enviados pela Coroa britânica eram obrigados por lei a ter armas para se defender de nativos ou estrangeiros. Durante a revolução que levou à Independência, as milícias armazenavam munição e armas em depósitos públicos. A Constituição dos Estados Unidos, assinada em 1787, concedeu inicialmente ao Congresso o poder de formar milícias para executar as leis da União e reprimir insurreições. Grupos contrários ao federalismo temiam o excessivo poder dado ao Legislativo federal e ao governo. Em 1791, conseguiram promulgar dez emendas à Constituição, conhecidas como Declaração dos Direitos dos Cidadãos (Bill of Rights). A Segunda Emenda garante aos americanos o direito de portar armas e formar milícias. Diz textualmente: “Sendo uma milícia bem regulada necessária para a segurança de um Estado livre, o direito das pessoas de manter e portar armas não deve ser infringido”.
O incansável trabalho da NRA deu resultado. Desde 1986, apenas uma lei nacional de controle de armas foi aprovada no Congresso. Em 2008 e 2010, a Suprema Corte declarou inconstitucionais leis estaduais de controle de armas. Dos 50 Estados americanos, 41 permitem o porte de armas em locais públicos. Em Geórgia, Virgínia, Arizona e Tennessee, qualquer cidadão pode entrar armado em bares e casas noturnas. A rede Walmart vende armas em mais de metade de suas 4 mil lojas, além da internet.
Após a tragédia de Sandy Hook, a NRA percebe estar sob pressão. “A NRA está preparada para oferecer contribuição significativa para prevenir futuros massacres como o de Connecticut”, disse um comunicado à imprensa. Seus princípios, no entanto, não mudaram. Dirigentes da associação voltaram a afirmar que a melhor forma de garantir a segurança é permitir que todos se armem. Se professores e funcionários portassem armas como as de Adam Lanza, acredita a entidade, algumas crianças teriam sido salvas no massacre de Newtown.
O argumento da NRA é insano e irresponsável. Bom saber que o governo de Barack Obama não sofre da mesma loucura e promete agir. Uma medida aventada é retomar a proibição de venda e porte de rifles, fuzis e pistolas criados para uso em conflitos e em guerras. São conhecidas como “armas de assalto”, em geral automáticas – vários tiros com apenas um aperto no gatilho – ou semiautomáticas – um tiro a cada aperto no gatilho. Algo similar foi aprovado em 1994, como resposta a outro massacre – em janeiro de 1989, um atirador de 26 anos matou cinco crianças numa escola na cidade de Stockton, na Califórnia. Demorou cinco anos para o Congresso superar o lobby da NRA e aprovar a lei que proibia por dez anos a posse, venda ou fabricação de armas automáticas e semiautomáticas. A norma expirou em 2004, sem esforços de renovação por parte do governo de George W. Bush. Um estudo feito em 2010 pela Universidade Princeton mostrou que a proibição foi eficaz. O número de mortos em assassinatos em massa nos EUA de 1994 a 2004 caiu 23,2%. De 2004 para cá, o total de mortos aumentou 54,8%. Na Califórnia, o massacre de Stockton levou à aprovação de leis que restringem a compra de armas de assalto. Entre 1992 e 2009, a mortalidade por armas de fogo no Estado caiu 53,2%.
Países com leis mais rigorosas contra a posse de armas de fogo têm níveis mais baixos de violência. Em 1996, o Reino Unido proibiu a posse de qualquer arma depois que um atirador matou 16 crianças e um professor numa escola na Escócia. Os britânicos têm um dos menores índices de homicídios por armas de fogo no mundo, com apenas 43 mortos em 2011. Na Austrália, tiroteios e chacinas eram comuns. Em 1996, depois do massacre da Tasmânia, em que 35 pessoas morreram, o Congresso australiano proibiu a venda de armas automáticas e semiautomáticas. Desde então, o número de mortes por armas de fogo caiu 59%, sem massacre algum em 16 anos. Para os EUA, chegou a hora de agir de acordo com sua grandeza e relegar ao passado a cultura do Velho Oeste.
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