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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Minhas filhas me bloquearam no twitter, no messenger e no Orkut

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Parricídio digital

Luís Antônio Giron
Revista Época
Luís Antônio Giron
Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV
Acho engraçado como divulgam frequentemente pesquisas científicas sobre os benefícios da internet para o desenvolvimento motor, da sociabilidade, da educação e da cultura das crianças e adolescentes. A gente sofre um bombardeio de informações ufanistas e exaltatórias que, em geral, aquele que quer ser ou parecer antenado adota de olhos fechados e sorriso beatífico estampado no rosto. Vivemos tempos da aceitação passiva de todas as novidades tecnológicas, sem tempo para analisar tudo o que se passa. Nosso raciocínio e nossa capacidade crítica foram atropelados pelas inovações. E estamos ali, estatelados, sem socorro, felizes pelo que recebemos. Como se a civilização avançada houvesse abdicado da razão. Uma vez que as novidades chegam embaladas em discursos competentes e argumentos embasados em pesquisas acadêmicas, a gente se rende. Mas a realidade do dia-a-dia é bem outra. A internet virou um estorvo para a maior parte das famílias.

No momento em que escrevo este artigo, estou clicando no menu do MSN para dar um oi aos amigos ou discutir uma pauta com um colega. Eu sei que agora mesmo minhas filhas – uma de 15 e outra de 17 anos – estão conectadas, mas o ícone com os nomes delas se encontra aparentemente inoperante. Elas me bloquearam no messenger. E isso não vem de hoje. Quando eram menininhas, cada uma ganhou um mascote virtual e logo se afeiçoaram a ele. Não era mais o Tamagotchi, mas um Pikachu, aquele cibercoelho infernal que chefiava os Pokémons. Faz tempo, porque lembro que comprei os aparelhinhos numa loja de brinquedos do World Trade Center em Nova York. Há uns quatro anos, elas começaram a usar seus laptops particulares. Desde o princípio elas tomaram a decisão de me afastar. E isso, do ponto de vista dos adolescentes, um significado ainda mais grave do que do para mim. Porque elas me expulsaram do seu universo de contatos interativos. No mundo virtual, elas eliminaram o seu próprio pai... E repetiram o parricídio digital tornando-se invisíveis para mim no twitter, no Facebook, no Orkut... e não tenho dúvida de que repetirão o delito em todos os softwares que venham a surgir.

Como deu para perceber, não sou analfabeto em internet. É um hábito de 14 anos já. Antes eu usava o icq, depois passei para o messenger do Yahoo e finalmente me rendi ao MSN por ser mais popular. Quando montei meu primeiro blog, em 1995, a coisa nem se chamava blog, e sim site no Geocities. Depois passei para o blogger e faz uns cinco meses que tuíto sem parar. Elas deveriam entrar para a comunidade “eu amo o meu papai”. Ou me deixar ficar em contato. Que nada.

Se ao menos hoje estivesse em moda o second life (lembra?), eu poderia aceitar a sugestão de um amigo, me disfarçar de Akon (não é um Pokémon, e sim aquele rapper que vende cueca nos shows) e passar por amiguinho e daí reconquistar meu prestígio junto a elas. Mas ninguém mais passeia pelo Second Life, ele anda mais deserto que a cratera Cabeus onde encontraram água na Lua recentemente. Já basta a life. Uma second dá trabalho demais. Só me resta encostar a minha cabecinha no meu próprio ombro e chorar. Ninguém vai se condoer de mim.

Afinal, não é novidade ser abandonado ou desprezado na rede. Isso já entrou para a cultura popular. As inovações aparecem em todo tipo de música. Vou tentar fazer coro à dupla sertaneja Ana Elisa & Mariana, que bombam na web com o cateretê “Google” e suplicar: “ Me joga no Google/ me chama de pesquisa/ e diz que eu sou tudo o que você procurava.” A internet rendeu até canção de corno manso. Há cinco anos, Frank Aguiar, o Cãozinho dos Teclados, causou com a toada “Vou te excluir do meu Orkut”. Vou me vingar delas cantando assim: “Eu vou te deletar te excluir do meu orkut/ Eu vou te bloquear no MSN/ Não me manda mais scraps nem e-mail, power point/ Me exclua também e adicione ele”. Coisa de visionário. Mutatis mutandis, Frank previu meus dias atuais. A parte do power point eu não entendo até hoje - como a pessoa amada pode enviar power points de amor? -, mas já é tecnologia ultrapassada.

Como um pai contemporâneo abandonado como eu poderia se expressar? Talvez lançando um hit de melody à moda do Pará intitulado “Apps de pai”. Na canção, eu citaria o saudoso Teixeirinha (acompanhe a bolinha mágica e cante comigo): “O maior baque do mundo/ que eu tive na vida triste/ foi ver minhas filhinhas/ me bloqueando no twitter/ fazendo gato e sapato/ do emotion de coração/ que enviei, retrotuitei/ Elas não me convidaram/ nem mesmo pro Google Wave/ zombando de quem/ com tanta paixão/ pelos apps da vida/ fez deste ringtone uma canção”. Talvez eu triunfe na uebe com a música, mas certamente não vou resgatar minhas filhas ingratas...

Há muitos pais por aí que vivem o mesmo drama que eu e minha mulher. Como eu digo, pegamos de frente o touro digital. E eu digo que a tecnologia está prejudicando o desenvolvimento dos adolescentes. Presenteamos as crianças com computadores portáteis na esperança de que elas possam fazer seus trabalhos e troquem com os colegas. Quanta ingenuidade! Os moleques tweens e teens usam o pretexto de fazer trabalho para bater papo no MSN, trocar fotos, baixar música e outros arquivos... ter, enfim, uma vida fora da esfera dos adultos. Eles não convivem com a gente, apenas nos toleram à distância. O resultado está no rendimento medíocre no colégio, na indiferença pelo conhecimento, na falta de curiosidade, já que tudo está à disposição, ao alcance de um clique – e, por ser fácil, pode ser desprezado. Os professores tentam parecer moderninhos e passam lições para serem feitas no Google. E o resultado é um intenso recortar e colar. Será que eles não notam a bobagem que fazem? Os alunos do ensino médio, salvo exceções, não estão processando informações, não chegam nem a compreender em que consiste conhecer. Eles vivem um mundo à parte.

Um amigo meu faz um reparo. Observa que os adolescentes sempre viveram assim, e que nós quando tínhamos 15 anos queríamos evitar os mais velhos. É verdade. Mas no nosso tempo éramos dependentes dos pais, precisávamos deles, nem que fosse para pedir mesada. Tínhamos que falar com os mais velhos. Devíamos respeito e tínhamos medo. A turminha século XXI jamais enfrentou esse problema. Nós, pais, somos mais preocupados e devotados. Nada falta aos menores. E eles ainda por cima se apossaram de um campo virtual que está fora e longe do controle dos pais. Não estão amadurecendo porque não fazem questão de conversar com os adultos. Permanecem em um universo subterrâneo, desconhecido da maioria da gente grande. Mesmo quem tem um certo saber adquirido no mundo digital, como eu, é obrigado a ficar de fora, bloqueado, excluído, deletado. Não há mais diálogo possível.

Como resultado, a internet está tornando a vida familiar um circo infernal em que o entretenimento virou a única opção. Eu nunca desejei exercer uma vigilância Big Brother sobre minhas filhas. Ao contrário, só queria praticar o verbo que tanto celebram hoje: interagir com elas. Fui censurado! Morri para elas na blogosfera, twittosfera e outras esferas com as quais eu possa sonhar. Quando acontece de estarmos todos offline em casa no fim de semana, as conversas não passam de monólogos polifônicos. Ensaio dar um conselho, e elas me interrompem fazendo um gesto de minimizar a tela, elas me dão um zoom out simulando um comando touch, rindo de mim. isso quando não tampam os ouvidos com um tocador de mp3 enquanto estou falando, para cantar o últimos sucesso de Lady Gaga. Sim, me confesso impotente para resolver a situação. O mais curioso é que não temos conflitos sérios em casa. Todos nos amamos e vivemos com conforto. Talvez a grande desgraça seja que os pais de hoje deixaram de ser modelos. Um exemplo simples é a biblioteca. Minhas filhas já nasceram dentro de uma, que eu formei porque nasci dentro de outra, a dos meus pais. Estes, por sua vez, construíram uma biblioteca a partir da de meus avós. Assim estudamos, aprendemos, lemos, nos divertimos de geração em geração. E quem diz que elas querem ler textos em papel? Preferem pegar tudo pelo computador. Tenho uma boa edição dos Lusíadas, obra que elas estão estudando. Mas foram ler a epopeia de Camões no dominiopublico.org.br. Quem sabe se eu comprasse um kindle? Mas é canhestro demais para o nível delas. Vou esperar uma engenhoca e-book com comandos de toque (touch), e tentar convencê-las a ler algo que não seja por obrigação escolar.

Deve haver uma saída para tudo isso, mas ela só será encontrada quando esta geração de adolescentes do milênio terá crescido e virado objeto de estudo. A turma da próxima década poderá se beneficiar, espero. Basta que as pessoas parem de se comportar ingenuamente diante do avanço tecnológico. Ao longo desta década que termina, a internet facilitou muitas coisas, mas conspurcou tantas outras. A cultura? Pobre coitada, pois ela se perdeu no meio de um download incompleto. E eu continuo bloqueado...

 (Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)

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