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domingo, 13 de março de 2011

É possível domar a fúria da natureza?

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Como o Japão - um exemplo de tecnologia, planejamento e disciplina - enfrenta o maior terremoto de sua história
Liuca Yonaha. Com Aline Ribeiro, Eliseu Barreira Junior, José Antonio Lima, Juliano Machado e Marcelo Moura
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 12 de março de 2011.

Assinantes têm acesso à íntegra no Saiba mais no final da página.

AP Photo
ONDA-MONSTRO
Um paredão de mais de 3 metros de altura varre Natori, no norte do Japão, atingido por um tsunami depois do terremoto
Numa aula de geografia, em Yokohama, no Japão, o professor anota no quadro: 6.437. E pergunta aos adolescentes se eles sabem o que significa. “Nós, japoneses, não podemos jamais esquecer esse número. São os mortos no grande terremoto de Kobe, em 17 de janeiro de 1995”, diz e escreve o horário exato do tremor – 5h46 –, para iniciar a aula sobre placas tectônicas, com dicas práticas para enfrentar essas tragédias imprevisíveis. Era janeiro de 1998 – e eu estava na sala. Todo japonês ou estrangeiro que morou no país já teve alguma lição como essa para saber como reagir quando a terra tremer. Às 14h46 da última sexta-feira (2h46 no horário de Brasília), o Japão teve de mais uma vez pôr em prática aquilo que treina rotineiramente. O maior tremor já registrado em 140 anos de medição no país, com 8,9 graus na escala Richter e epicentro a cerca de 125 quilômetros da costa nordeste, provocou um tsunami. Na província de Fukushima, ondas de mais de 7,3 metros destruíram 2 mil casas e edifícios. O eixo terrestre deslocou-se 10 centímetros.
Kyodo News
MAR REVOLTO
Na província de Ibaraki, um redemoinho se formou, com o tsunami, próximo ao porto
Da formação do tsunami até as primeiras ondas atingirem a costa, levando diques, lama e destroços, passaram-se cerca de 15 minutos. Às 15h30, o cenário era de devastação. A velocidade das ondas foi comparada à de um avião em cruzeiro. Navios foram arrastados por quilômetros para dentro do continente. As ondas invadiram as pistas do aeroporto de Sendai e sua força varreu aviões. Carros em fuga sugados para o mar de lama foram flagrados por câmeras da NHK – a TV estatal japonesa – em helicópteros. A usina atômica costeira de Fukushima foi atingida pelo tsunami, provocando um alerta nuclear. O governo confirmou o vazamento de vapor radioativo. No início da manhã do sábado no Japão, o risco era de uma explosão do reator. Mesmo para um povo preparado para a tragédia, a dimensão do que aconteceu foi aterrorizante. A palavra que as testemunhas mais repetiam era “kowai”: “Medo!”.
Até o fechamento desta edição, estavam confirmadas 350 mortes e havia 550 desaparecidos na tragédia. Os números finais só devem ser conhecidos depois de meses ou até anos (a contabilidade de mortos no terremoto de Kobe foi atualizada durante dez anos). A dor causada pelas mortes e pela destruição será inesquecível. “Meu carro foi suspenso e arrastado”, dizia Kazuyoshi Abe, de Ishinomaki, na província de Miyagi, cerca de cinco horas depois do tsunami. “Fiquei preso. Não consigo sair. A água continua a subir.” A cada novo abalo, o nível da água subia mais. Junyo Koshigaya, de 68 anos, estava próximo de um dique quando aconteceu o terremoto. Ele entrou no carro e correu para casa, num ponto alto da cidade de Soma, em Fukushima. “Quando vi, uma onda de 5 metros engoliu a vila lá embaixo.” Sua mulher quase foi tragada. “Meu carro foi levado. Achei que ia morrer”, diz ela.
O relato e o cenário de devastação, entretanto, não devem obscurecer a notícia mais impressionante que emerge da tragédia: não número de vidas perdidas – mas o número de vidas salvas, graças à disciplina e ao planejamento do Japão para esse tipo de catástrofe. As medidas preventivas foram responsáveis pela proteção de mais de 8,7 milhões de vidas, a população das quatro províncias costeiras mais afetadas (Miyagi, Iwate, Fukushima e Ibaraki). O tremor foi dez vezes mais intenso que o até então maior sismo da história do Japão, de 7,9 graus, em 1923, na região de Tóquio.
Naquela catástrofe, 140 mil morreram. É gritante a diferença na mortalidade provocada por um tremor de mais de 8 graus hoje em relação à década de 1920, quando o país tinha uma população de menos da metade dos atuais 126,9 milhões de habitantes. Também está fresco na memória o cataclismo no Haiti, em janeiro do ano passado, um sismo de 7 graus que matou 230 mil. Basta comparar esses números ao saldo do terremoto da semana passada para perceber como o Japão está preparado para enfrentar os infortúnios de sua situação geográfica.


Qual é o segredo desse preparo? Que lições o Japão poderia trazer para países como o Brasil, às voltas com catástrofes naturais cada vez mais frequentes e mortíferas? A primeira dessas lições – e a mais importante – é a construção e manutenção de uma estrutura de alerta eficaz, que envolve toda a comunidade. Os avisos por TV, rádio e alarmes começam minutos antes de ocorrer o tremor. Quando os equipamentos sismológicos detectam movimentos, há anúncios nos meios de comunicação indicando as regiões que poderão ser afetadas. Após o tremor, são informados o epicentro, a magnitude e a possibilidade de formação das ondas gigantes. Apesar de haver apenas 15 minutos entre o tremor e a chegada do tsunami na semana passada, esse intervalo foi suficiente para orientar a população a subir em prédios de concreto e se abrigar acima do 3o andar.

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