Por que tantas bandas modernas apostam no espírito alucinógeno dos anos 60
Mariana Shirai e André Sollitto





Letra, arranjos, efeitos, atitude: tudo lembra as experimentações musicais dos anos 60. O resultado, no entanto, não tem nada de retrô: Uhuuu! é um dos mais vibrantes e inovadores discos da produção nacional recente. Como ele, ao menos nove outros álbuns lançados no último ano revivem com novos tons as cores “viajantes” daquela época. Catatau e sua Cidadão Instigado fazem parte de um grupo celebrado de artistas jovens (entre eles as bandas MGMT, Yeasayer, Animal Collective e a cantora Cibelle) que se aproxima da psicodelia para fazer música contemporânea. Eles são discípulos de uma produção específica de bandas como Jefferson Airplane, Pink Floyd, Beatles, Os Mutantes, The Doors, The Beach Boys. Com estilos diversos, o que unia esses grupos era a tentativa de imprimir em seus discos o impacto das experiências vividas sob o efeito de substâncias alucinógenas como o LSD.
Não que as drogas fossem um ingrediente essencial. A boa música psicodélica dos anos 60 nunca dependeu, em seu momento de criação, da euforia artificial das drogas. Durante os dois anos em que produziu o livro The Doors por The Doors, uma biografia da banda de Jim Morrison feita a partir de depoimentos dos quatro integrantes, o jornalista americano Ben Fong-Torres desmistificou a pecha de “doidões” do grupo. “Foi surpreendente descobrir como eles eram sérios em relação à música”, afirma. “Eram muito meticulosos ao construir suas canções.” O pioneiro da restrita cena psicodélica brasileira dos anos 60, o músico e hoje apresentador Ronnie Von, também desmente essa impressão. “Gravava de ‘cara limpa’, como se dizia na época. Sem tomar nenhuma droga.” Ronnie Von descobriu a psicodelia em discos que seu pai, diplomata em Londres, trazia para o Brasil. Foi ele quem batizou a banda Os Mutantes – um marco na psicodelia mundial, formada por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias –, que no início o acompanhou em seus álbuns psicodélicos. “A psicodelia está mais para um momento de irracionalidade. No meu caso, tentei levar a experiência visual de quadros surrealistas de Magritte e Dalí para a música.”
Passadas mais de três décadas, as drogas também não têm influência decisiva para os novos psicodélicos. A maioria afirma não usar desse artifício para criar. O que restou para eles foi a essência desse modo libertário de pensar o mundo e de compor e executar canções. “A música de hoje é toda feita de revivals”, diz o crítico musical Camilo Rocha. “É como se houvesse um supermercado de referências. A psicodelia é mais uma delas.”
Por ser um gênero abrangente e de definição difícil, a música psicodélica parece ter sua própria lojinha para vender seu legado multicolorido. Para Camilo Rocha, o ponto principal do novo movimento é a reapropriação da estética “viajante” a partir das novas possibilidades técnicas. “A psicodelia depende muito de efeitos sonoros em estúdio que antigamente eram feitos de maneira primitiva”, diz. “Hoje tudo está disponível, é muito mais fácil.”

Na influência alucinógena
Alguns lançamentos que usam elementos psicodélicos de diferentes formas
Alguns lançamentos que usam elementos psicodélicos de diferentes formas

CIBELLE
Las Vênus Resort Palace Hotel
Em seu terceiro disco, a cantora paulista vive Sonja Khalecallon, dona do Las Vênus Resort Hotel, último local que sobrou de uma terra destruída. Ela mistura MPB, rock, jazz e soul em canções criadas de improviso
Las Vênus Resort Palace Hotel
Em seu terceiro disco, a cantora paulista vive Sonja Khalecallon, dona do Las Vênus Resort Hotel, último local que sobrou de uma terra destruída. Ela mistura MPB, rock, jazz e soul em canções criadas de improviso
Outro recurso picodélico comum resgatado por Cibelle é a criação de personagens. No disco, ela assume a personagem Sonja Khalecallon (pronuncia-se Sônia Calecalóm), dona do último hotel existente num planeta Terra destruído. Do bar do hotel, Sonja canta sua psicodelia tropicalista. “Ela é uma caricatura de mim mesma”, diz Cibelle.
O discurso do fim dos anos 60 muitas vezes pregava a ruptura com os códigos sociais (a família, por exemplo) e fazia críticas políticas (como à Guerra do Vietnã ou ao regime militar brasileiro). A ideia era fazer o público ir além das restrições estabelecidas. Esses limites não existem hoje. O que sobra ao movimento? Eles parecem querer apenas expandir os limites da música. “No fim, é tudo uma maneira de se divertir, de se soltar, de procurar por liberdade”, afirma Cibelle.

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